"Hecha la ley, hecha la trampa", diz o ditado popular espanhol. Situação semelhante estamos vivenciando na aplicação do nosso Código Eleitoral.
A lei prevê que, na organização das listas partidárias dos candidatos, o número de vagas por partido pode ser, no máximo, o dobro do número de vagas na casa legislativa. Trinta por cento dessas vagas deverão ser preenchidas por mulheres. Essa disposição da lei objetiva dar mais oportunidade às mulheres brasileiras de participarem da vida política nacional. É a confirmação da busca da igualdade de gênero. No entanto, estamos ainda muito longe de alcançarmos um equilíbrio de participação das mulheres na política nacional. Até já tivemos uma presidente da República, mas falta ainda muito para que tenhamos mais mulheres em nossos parlamentos. Seria desejável até que elas fossem maioria, pois a mulher é muito mais sensata que o homem e, no comando da economia, tem muito mais experiência e pragmatismo.
Todos os partidos, sem exceção, têm dificuldade de preencher os 30% das vagas femininas. Candidaturas espontâneas, de mulheres que se destacam na vida pública pelo seu ativismo social ou por liderança nos seus campos de atividade são raras. Os homens, pelo contrário, são ávidos pelo destaque, seja ele devido às suas virtudes ou, até mesmo, por falta do que fazer!
Os partidos necessitam, para sobreviver, de colocarem o maior número possível de candidatos em suas listas. Isso porque do somatório de todos os votos na legenda é que será determinado o número de cadeiras obtidas. Como são raros os candidatos com votação expressiva, que se elegem sem necessitar do quociente partidário, é imperativo que as listas contenham o maior número de inscritos possível. Aí reside o erro da lei que, ao pretender assegurar os 30% das vagas para as mulheres, limita o preenchimento das listas. Esse paradoxo leva os partidos ao desespero, pois o número de candidatas femininas é que comanda o total das listas. Melhor explicando: se o número de vagas for de 40 candidatos, 12 vagas serão para as mulheres, mas se o partido só tiver seis nomes femininos, sua lista ficará reduzida a 20 vagas no total. Isso leva diretamente às candidatas "laranjas", pois os partidos se obrigam a registrar nomes de pessoas que não são qualificadas e que nem estão interessadas em se eleger, somente para assegurar que possa preencher o maior número de vagas possível. A proporção será de 2,3 homens para cada mulher.
Creio poder afirmar que existem situações em que os partidos ofereçam vantagens para obter o consentimento de um nome feminino. Por outro lado, as mulheres mais capazes de exercer representatividade são as mais difíceis de aceitar a candidatura. É uma situação paradoxal que leva o partido a implorar o consentimento de nomes femininos. São candidatas inexpressivas, que não conseguem muitos votos, às vezes, só o seu e de seus familiares. Até aqui não existe ilegalidade. Todos os partidos fazem isso. A "trampa" é comandada pela verba partidária. O financiamento das campanhas com verbas públicas facilita as "transposições financeiras" para equilibrar a contabilidade dos candidatos, tirando das "laranjas" que gastam pouco e transferindo para as campanhas mais custosas.
Dois erros fundamentais são os responsáveis pela situação: o primeiro é a limitação dos 30% ao número de mulheres inscritas. A situação correta seria determinar o número possível de mulheres e de homens, sem obrigar a correlação. Os partidos se esforçariam para obter o maior número de candidatas sem ter que recorrer às "laranjas". O segundo erro que leva à ilegalidade é o financiamento público, oneroso para a nação e indutor de "trampas" aos partidos.